sábado, 26 de julho de 2008

De bárbaros, acentuação e devaneios...

- Certo... e o endereço da senhora é lá mesmo, na rua Telórico de Almeida...?

- Telorico – retrucou a moça.

“De onde diabos eu tirei ‘Telórico’?”, pensou L., enquanto seguia atendendo a cliente da unidade em que estagiava fazia pouco tempo. Como era muito perfeccionista, tentava cuidar de tudo milimetricamente, como se não soubesse que sua condição de novato lhe permitia o capricho de uma ou outra falha mínima. E prosseguia em seus pensamentos, enquanto preenchia a ficha do caso daquela moça que, embora tratasse por senhora em razão do distanciamento que o trabalho obriga, era pouco mais que uma recém-adulta que engravidara do namorado e agora se via entregue ao deus-dará porque o cara não comparece com qualquer ajuda para a criança, seja por safadeza, pobreza, incerteza, ou qualquer outra mazela que não necessariamente seguirá a rima.

“Por que diabos eu li ‘Telórico’? Por que esqueci a regra mais descomplicada da língua portuguesa, a saber: ‘toda proparoxítona é acentuada’? Se não tinha acento, eu deveria ter lido ‘Telorico’ mesmo, não ‘Telórico’... será que eu associei a ‘calórico’, ‘histórico’ ou qualquer palavra do tipo? Falando em ‘histórico’, antes houvesse associado a Alarico, Odorico ou qualquer outro desses nomes de reis bárbaros – lista na qual possivelmente consta algum Telorico – e não teria pronunciado errado”.

Pode parecer muito barulho por nada. Em verdade, não foi. Tal devaneio só tomou alguns segundos da atenção de L., que logo tornou seus olhos para a tela, dando prosseguimento ao atendimento.

- Ah, sim, Telorico, perfeitamente...

Mais tarde, naquele mesmo dia, a chefe de L. iria conferir a petição elaborada por ele. Ela também se deteria, com algum estranhamento, diante daquele nome incomum. No entanto, de sua boca sairia a pronúncia correta.

Quem terá sido Telorico? Que terá ele feito de tão grandioso para, em sua empáfia de xará de rei ostrogodo, dar nome a uma viela de comunidade de periferia sobre a qual certamente não exerceu o menor impacto, seja na vida ou na morte? Quem foi esse homem, merecedor de ter seu nome imortalizado na memória, ainda que dos relativamente poucos moradores daquela rua, a ponto de o seu nome ser o único digno de menção?

L. não ia mais pensar a respeito.

6 comentários:

Leonardo Passinato disse...

Com a ressalva de que o nome da rua foi ligeiramente modificado...

dmariano disse...

era Telorico da Silva?

Enfim, texto interessante, e de boa leitura, ensine o Thiago um dia desses.

o/

Anônimo disse...

Telorico é um nome bem.... incomum xD~ Só para não dizer outra coisa mais ofensiva.
Eu também falaria "Telórico", fiz a mesma associação de palavras.

Tentei uma busca rápida no Google, mas não encontrei resultados o.O Isso me assusta... se não está no Google, será que existe? xD

Rabay disse...

Quando li pela primeira vez, entendi "talarico" (gíria que nem é usada por aqui) em vez de telorico.

Bom, em se tratando do nosso país, acho que esse tal de Telorico era no máximo amigo de algum deputado, prefeito ou whatever do governo, e não fez nada de importante, heheh.

Nefelibata disse...

Existe possibilidade de uma comunidade pleitear perante a prefeitura a mudança de nome de uma rua em homenagem a alguém que eles tinham estima.

É o medo do Bandeira, inclusive, que temia que a Rua do Sol virasse Rua Dr. Fulano de Tal.

Assim, pode ser que Telorico de Almeida fosse algum vôzão da área ou algo do tipo... mas vai saber.

Mas ow, realmente, o Google não acha esse cara. Tem até o Celorico de Almeira, mas não Telorico. E se procurarmos o nome sem sobrenome, até achamos alguma coisa, mas o Google sugere que procuremos por "Telúrico" XD.

Realmente, texto muito gostoso xD Parabéns!

Quanto ao DJ: continue estudando português XD

Leonardo Passinato disse...

como diria o velho adágio do direito romano, quod non est in google non est in mundo!


e vcs...eu tentando justamente fazer com que o nome da rua não apareça, haha...não à toa q eu troquei o sobrenome do tio (não é Silva).