sexta-feira, 19 de junho de 2009

Pánta rei

A história da filosofia grega pode ser resumida como a polêmica do devir, quero dizer, o debate sobre o acerto ou não de se entender o mundo como fluxo contínuo e incessante.

Neste sentido, os gregos, pelo menos até Platão - e ainda não sei bem se devo excluí-lo - , entendiam que a sabedoria estava ligada de forma intestina ao conhecimento das coisas contingentes, ou seja, daquilo que se deveria fazer em cada situação. A inteligência acerca da ação correta em cada momento estava ligada também à correta noção do lugar do sujeito no mundo e de sua percepção de si como participante do todo (remeto aqui ao texto sobre Platão e a destragédia...).

Desta forma, tinha discernimento aquele que, sabendo de seu lugar no mundo e das limitações advindas de sua situação, obtinha o feeling necessário para saber agir de acordo com o momento.

No entanto, ainda que o mundo seja constante fluxo de acontecimentos, o conjunto desses acontecimentos não é infinito. Ao contrário: a Física nos mostra que o universo é regido por regras, que levam esse fluxo à tendência de uma normalidade (aqui compreendida em seu sentido estatístico), o que não permite a ocorrência de eventos fora do padrão, exceto sob a hipótese de aquelas leis que regem o universo serem quebradas, coisa que ainda não se viu.

Assim, pode-se dizer metaforicamente que o mundo é uma peça de teatro, sem começo ou fim, mas cujo palco não tem estrutura para encenar todo tipo de situações. Em algum momento, forçosamente, as cenas vão ter que se repetir.

Em outras palavras, trata-se de um paradoxo: embora a realidade seja mutação, as situações e fenômenos tendem à repetição, sem que haja um princípio isolado no tempo e, tampouco, qualquer forma de escatologia ou objetivo para essa repetição, porque, se houvesse, já teria sido atingido.

Portanto, desde a Antigüidade a experiência é condição reconhecida para o tipo de sabedoria aqui descrito, pois já ter passado por uma determinada situação, ou mesmo apenas saber da possibilidade de sua ocorrência, pode ser de grande ajuda ao se deparar com ela novamente.

Se por um lado essa constatação pode deixar o homem mais sábio, poderá, por outro, levá-lo ao desespero, que o leva a duas posições básicas diante do fluxo de mutações do Ser: 1) negá-lo, admitindo a existência de algo de permanente, a partir do qual se tenta suplantar a finitude do Eu; ou 2) admitir que, diante da mortalidade e da falta de sentido geral do universo, não há mesmo nada a se fazer, limitando-se a esperar que a técnica humana melhore sua perspectiva de vida...

Essas duas posturas niilistas - querer estabelecer uma verdade e não agir - são condenáveis sob a ótica grega como formas de hybris. Viver o eterno retorno do mesmo é a única maneira de viver sem se furtar à realidade.

A hipótese que eu pretendo investigar daqui a algum tempo - e que registro aqui antes que ela me fuja - é exatamente acerca dos desdobramentos éticos dessa forma de viver.

Pois o homem, diante da intuição da forma ao mesmo tempo inconstante e finita em que o mundo está engendrado, não teria nada melhor a fazer senão agir da forma que lhe pareça a melhor possível, justamente em vista das conseqüências advindas da eterna repetição de seu ato para o devir e da futilidade que categorias como o arrependimento, a liberdade e o castigo assumem sob essa perspectiva.


Nota de rodapé: Pánta rei - "tudo flui", axioma de Heráclito de Éfeso.