domingo, 24 de junho de 2007

Loucos de Todo Gênero

Faz algum tempo, mas ainda me lembro vagamente de uma matéria na TV em que o repórter visitou um manicômio. Lá pelas tantas, ele resolveu interpelar um doidinho que conversava com uma árvore:

- Você está conversando com a árvore??
- Sim.
- Não tem medo de acharem que você é louco?

E o jovem respondeu brilhantemente, em tom de confissão:

- Eu seria louco – sussurrou –, se a árvore não me respondesse!

Afinal, o que é ser louco? É algo objetivamente determinável ou é apenas conseqüência de vivermos num mundo em que o desvio é, via de regra, sinal de aberração? Ao contrário do que possa parecer, essa não é uma pergunta que só começou a ser feita no século XX, saindo da boca de gente como Michel Foucault ou Nise da Silveira. Já a Inquisição tinha problemas ao julgar a alegação de que o problema do acusado se devia a uma enfermidade mental, e não à heresia ou a um caso de possessão demoníaca. Pitoresco.

Mas o fato é que, no caso da Inquisição e, mais tarde também no Direito Civil (que muito foi influenciado pelo Direito Canônico) a insanidade mental isentava o réu de responsabilidade: claro, se ele não sabe o que faz, não pode responder por seus atos. Mas se a definição da demência era difícil após séculos de experiência dos inquisidores, não é de espantar que nossos juristas tenham se poupado do trabalho de criterizar a condição do doente mental, preferindo eles lançar mão da duvidosa expressão "loucos de todo gênero", o que era, além de politicamente incorreto, um problema. Às vezes fico pensando como seria um louco em dúvida se essa expressão abarcaria ou não o caso dele...

Se ser louco de fato é uma doença (aqui entendida como algo ruim), então por que tantas vezes testemunhamos a loucura caminhar abraçada com a genialidade de gente como Van Gogh (autor da pintura ao lado) ou Nietzsche?

Aliás, o próprio Nietzsche foi acometido de uma loucura, digamos, coerente com sua postura de vida. Conta-se que, ao sair à rua certo dia, viu um cocheiro bater com a chibata no lombo do cavalo. Teve então uma epifania (deve haver um termo melhor, mas sinceramente desconheço), afugentou o cocheiro e abraçou o animal aos prantos. Após dez anos na mais plácida alienação (diz-se inclusive que esquecera o italiano, língua que dominava bem em razão de ter vivido na Itália por anos!), nosso piloso filósofo teria, conforme reza a lenda, proferido no leito de morte um enigmático "mehr Licht" ("mais luz", em alemão, sua língua materna), significando para alguns - os mais empolgados, ávidos de uma interpretação por trás das singelas palavras - algum tipo de mensagem do pensador para que as pessoas tentassem se tornar mais esclarecidas; enquanto que, para outros, ele estava meramente pedindo para que abrissem as cortinas do quarto onde ele agonizava.

Não por acaso, o mesmo Nietzsche acabou por auxiliar, mesmo que a contragosto, no embasamento teórico, se é que assim se pode dizer, de uma loucura em nível nacional: o também alemão Nazionalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, ou Partido Nazista, para os mais afeitos, que muito deveu à deturpação de idéias nietzscheanas (se tal adjetivo não existe, registre-se o nascimento de uma palavra) tais como a noção de super-homem ou o controverso anti-semitismo que, até agora, eu não sei se ele compartilhava com seu não menos estranho amigo dos primeiros tempos, o compositor Richard Wagner.

De qualquer modo, acho que mais nociva que a loucura é a própria "normalidade". É difícil definir uma pessoa normal. À pergunta "Quem você acredita ser um exemplo de pessoa normal?" dificilmente acreditaria se a maior parte das pessoas dissesse: "eu mesmo". E caso assim fosse, eu certamente ficaria mais interessado em conhecer a parcela minoritária. Preocupar-se com as opiniões e o padrão de comportamento imposto - seja ele qual for, até porque dizer que é doido também já virou moda - não deixa de ser uma coisa meio anormal. Paradoxal. Mas eu não consigo deixar de pensar assim. Comecei o texto com uma anedota, e talvez seja bom fechá-lo com outra, de modo que eu possa exemplificar a conclusão a que quero chegar, após falar brevemente de alguns conceitos e definições da loucura. Um amigo meu (cujo nome não revelarei por razões óbvias: 1) ele falava de problemas pessoais e 2) muitos dos meus amigos acertadamente se julgam ensandecidos) desabafava sobre um caso que o afligia há algum tempo e estava o deixando, de certo modo, transtornado. Ele costumava falar sobre isso comigo porque eu já havia passado por situação parecida.

- Ah, Léo, será que eu estou ficando louco?

- Sinceramente, acho que quem nunca duvidou seriamente de sua própria sanidade mental dificilmente teve uma existência digna e plena de significado, que mereça realmente ser chamada de vida.

A frase foi muito espontânea. Mas parei pra pensar a respeito. E percebi que, louco ou não, eu deveria estar certo.

Afinal, cada louco vive a sua realidade.


Notas ao rodapé: Sobre Nise da Silveira: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nise_da_Silveira Na mesma página se encontra a figura que ilustra o post (o quadro de Vincent van Gogh).

ERREI: A frase "mehr Licht" foram as derradeiras palavras de Goethe, não de Nietzsche. Não corrigi no texto mesmo para não estragar sua estrutura.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Matando o tempo




Estava faltando inspiração nos últimos dias. A combinação da rotina pouco emocionante dos últimos meses com a pressão das obrigações (que sempre vêm todas ao mesmo tempo) é sempre explosiva, resultando num hiato criativo...ou uma pasmaceira intelectual...ou uma calmaria no mar das idéias...(talvez a quantidade de denominações seja a minha criatividade voltando, vamos ver).

O fato é que eu não estava tendo tempo pra fazer nada além do que exigiam minhas obrigações (acadêmicas, em sua maior parte). Vontade enorme de alargar o tempo para que tudo que eu tinha de fazer coubesse na semana. O feriado veio em boa hora...pra conseguir pôr tudo em dia! Por outro lado, estou ansioso por conta de assuntos pessoais e profissionais que quero ver logo definidos. E esse tipo de coisa deixa a gente com vontade de fazer o tempo passar rapidamente. Contraditório. Da escuridão fez-se a luz, afinal. Se o tempo é meu algoz, sobre ele escreverei. A inspiração veio enquanto assistia a uma aula, pra variar. Ouvia, mais por osmose do que por uma vontade consciente de compreensão, o professor falar sobre o preceito aristotélico de que não há criação ex nihil. Explico: os gregos não admitiam a possibilidade de se extrair algo a partir do nada. Se antes não havia nada, eles pensavam, como daí pode surgir alguma coisa?

Essa idéia, creio eu, remonta a Hesíodo, que, como eu disse num post por aí lançou a idéia de causalidade entre os gregos, ou seja, a noção de que cada fenômeno tem sua origem em outro anterior. Tudo isso, em resumo, porque ele escreveu um poema falando sobre as várias gerações dos deuses e a formação do mundo a partir do Caos. Algum tempo mais tarde, os seguidores de certo Parmênides de Eléia (foto ao lado) demonstraram que a mudança e o movimento não podem ser explicados logicamente. Conseqüentemente, não se poderia sustentar uma tese com base em algo que se engendra a partir do zero (a história toda é um pouco mais complicada, tive que pular umas etapas do pensamento pra falar dele, mas outro dia eu volto a falar a respeito com mais calma).

Se as coisas sempre provêm de outras coisas, como fica em relação à primeira de todas as coisas, o princípio a partir do qual todo o resto surgiu? De onde ele veio? Surgiu do nada? Claro que não. Conseqüência? Só existe a eternidade. A percepção da dinâmica do universo deve ser cíclica, não linear, como costuma ser: não há um início ou um fim, apenas o eterno movimento (alguém dirá que, aqui, eu estou misturando Parmênides com Heráclito – a quem ele se opunha filosoficamente – mas, como também pretendo falar um dia, eles são muito mais harmônicos entre si do que parece).

Mas há o outro lado também. Aquele das religiões monoteístas; a visão segundo a qual o universo foi criado do nada. O defensor mais consciente dessa idéia, ao que me parece, é um pensador judeu medieval chamado Moshé ben Maymon – ou Maimônides, o Rambam. Sua interpretação da Torá, conhecida como Guia dos Perplexos, dialoga com Santo Agostinho e é possível de se harmonizar com os postulados da ciência moderna. Vamos ao argumento, antes que eu me empolgue e esqueça o assunto: À crítica de que um universo inteiro ser criado do zero é uma proposição ilógica, vez que o que compõe esse mundão de Deus deve ter tido origem em algo que havia antes; o Rambam responde, muito inteligentemente, que o universo não foi criado num momento determinado no tempo pelo simples motivo de que o próprio tempo surgiu com a criação. Genial. Antes não havia processo. Não havia causalidade, afinal não havia fenômenos para originarem outros fenômenos. O tempo nada mais é do que a consequência natural de as coisas estarem regidas pela lei da causalidade, obedecendo a uma ordem de sucessão. Em sentido psicológico, é a forma como percebemos esse fluxo dos acontecimentos naturais. Antes da criação (se é que se pode falar de algum momento antes da criação, nesse raciocínio), só se pode falar em tempo como algo imaginário, psicológico. Não havia espaço também – ao se formar o universo, o espaço surge a partir do referencial entre suas partes, ao mesmo tempo em que o tamanho total do universo permanece o mesmo: nenhum, já que fora do universo não há referencial para definir seu espaço.
Parecendo Parmênides de novo? É, eu sei. Tive até uma iluminação agora escrevendo isso (daquelas iluminações que só Parmênides proporciona): se o universo não tem tamanho, não se expandiu! O tal ponto ínfimo onde se concentrava toda a energia e matéria logo “antes” do Big Bang teria se diferenciado dentro dele mesmo, e esse espaço sideral enorme que a gente vê aí, mensurável apenas em anos-luz, fica fácil de entender quando se leva em conta os argumentos contra o movimento elaborados por Zenão, discípulo de Parmênides (você se lembra dos tais argumentos? A historinha de Aquiles e a tartaruga... Refresque sua memória na nota de rodapé no fim do texto), que postulam, entre outras coisas, a possibilidade de se dividir o espaço em infinitas partes. Em suma: incrível como no fim tantos argumentos a favor de visões distintas se tocam e se complementam.

Voltando ao Maimônides. Eu disse antes que suas idéias não contradizem o atual estágio do desenvolvimento científico. Pensamento assim sólido não poderá, obviamente, ser derrubado facilmente. Quer ver? Então veja:

1- Antes do Big Bang, a matéria do universo estava concentrada no ponto único, dito singularidade, cujo volume era zero (tive um déjà vu...nada a ver dizer isso, mas achei interessante). Quebrei o raciocínio. VOLTANDO: Se o volume era zero, a densidade era infinita (d= m/v), logo é perfeitamente compreensível a singularidade dar origem a tudo que está aí (eu, você, Júpiter, computador, cachorro, vácuo, Antares, China – com todo mundo que está lá dentro, inclusive – , cometa Halley, papagaio e por aí vai...).

2- Minha avó já dizia (e Einstein também): em tal condição limite, a variável tempo deve ser tratada como um número imaginário.

Vou parar por aqui. Estou começando a me achar engraçado, e daí a falar bobagem não carece muito tempo. Não cheguei a nenhuma conclusão, como de costume. Mero experimentalismo. Nada mais que livre associação. Mas estou feliz: foi bom pra passar o tempo.

Notas ao rodapé:
1- O argumento de Aquiles e a Tartaruga: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/cantor/aquilestartaruga.htm .
2- http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx? Tópico da comunidade “Maimonides” no orkut. Boa parte da inspiração veio daí.
3- Sobre Parmênides: http://pt.wikipedia.org/wiki/Parmênides .
4- A passagem do tempo e a segunda lei da termodinâmica (?) MUITO INTERESSANTE: http://www.fisicabrasil.hpg.ig.com.br/tempo_entropia.html .
5- Imagens ex: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tempo ; http://www.educ.fc.ul.pt/ ; http://pt.wikipedia.org/wiki/Parmênides . Irônico saber que o Einstein mostrou a língua achando que os paparazzi da época deixariam de persegui-lo. Virou sua foto mais conhecida.
6- Não, eu ainda sou agnóstico.

domingo, 3 de junho de 2007

Sem inspiração para escrever?

Você fala, fala e não diz nada?

Sempre com a sensação de que há algo a ser dito, mas você nunca sabe o que é?

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Você, assim como eu, está tendo um hiato criativo. É isso que a rotina e a previsibilidade fazem com você! Quando a pasmaceira intelectual acabar, escrevo mais a respeito.

P.S.: Se alguém aí quiser me ajudar a sair da rotina e da previsibilidade...