segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

cartas à alquimista

(Dedicado a uma alquimista, constantemente importunada em seu ofício por um rábula que vem falar de coisas meio absurdas, das quais ele próprio acaba perdendo o domínio. Entre outras coisas, eles discutem sobre as diferenças e similitudes de seus saberes).

Gregos de novo. Bem que a professora profetizara: “Quando a gente começa um projeto na Academia, vira um chato: não fala de outra coisa!”, e é a mais pura verdade. Cá estou sentado diante do computador, para escrever mais um texto que tem como ponto de partida concepções gregas, após ter passado a tarde inteira escrevendo para uma monografia sobre o quê? Evolução de conceitos jurídicos entre os gregos. Pois é.

Que posso fazer? Sendo eu um chato ou não, são sempre esses mesmos caras que me dão o pontapé inicial de imaginação e inspiração. A eles.

Outro dia eu te dizia que o homem está condenado. Condenado a viver neste mundo caótico com uma mente que pensa em parâmetros de perfeição. Com isso, ele não consegue pensar nas coisas com simplicidade, não consegue admitir que nem tudo precisa de explicação ou de racionalidade para funcionar. Quer explicar o mundo e explicar a si próprio. Compartimenta o seu conhecimento e se julga especializado num ramo só, acha que é incapaz ou inapto para ver pelo “outro” lado.

Existe um velho problema na história da filosofia, consistente em saber o que surgiu primeiro na cabeça do grego: se teria sido os problemas relativos ao ser humano ou o fascínio com as questões da natureza. Os primeiros filósofos eram chamados de Físicos, e eles especulavam sobre a origem do mundo, os fenômenos atmosféricos e a composição dos corpos. Outros, depois, escreveram sobre os números e os astros.

Mas, ao tratar desses temas da natureza, esses homens notáveis usavam termos como “amor” e “ódio” para expressar os conceitos físicos de atração e repulsão; e sempre que enunciavam alguma lei universal por eles descoberta, a descreviam com palavras afeitas aos sentimentos humanos.

E o contrário também é verdade. De muita coisa que ingenuamente se crê ser pura literatura, o homem extraiu leis para organizar sua compreensão do mundo material. Houve uma guerra. Segundo ouvi, raptaram uma mulher, e outros foram em seu resgate, pondo fim a uma cidade. E um homem resolveu cantar esta guerra, povoando sua narrativa com seus deuses antigos. Estes deuses tinham muito interesse nos rumos da guerra, de modo que tudo que acontecia no céu repercutia nos rumos da guerra, e vice-versa. Daí surgiu a lei da holística – tudo no universo está interligado.

Então, após algumas décadas, outro daqueles homens resolveu também cantar os assuntos dos deuses. Mas, enquanto o poeta anterior pedia que a deusa cantasse para ele, este agora se dizia inspirado, de modo que era ele próprio quem proferia as palavras, e não a deusa. Era a segunda lei: o subjetivo, o homem pensava por si e era uma individualidade apartada do mundo, e este passou a ser o objeto de seu pensamento.

E este mesmo poeta deve ter, de fato, recebido uma grande inspiração de sua deusa, porque resolveu cantar as várias gerações dos deuses, narrando as sucessões de nascimentos nas famílias divinas. E esta foi a terceira lei: causalidade, tudo vem de alguma coisa que já havia antes – até mesmo os deuses.

Antes de tudo isso, no entanto, antes mesmo de o homem fazer registros por escrito, ele já se intrigava com os problemas do mundo e de si, e via tudo isso como uma coisa só. E assim criou a magia. Não vê? A magia preenche ao mesmo tempo seu anseio de mortal, que quer falar com os espíritos para entender seu lugar no mundo, bem como serve para flertar com o conhecimento objetivo da natureza. Explico: ao imaginar que seria do agrado do deus se fizesse o sacrifício de um boi para que houvesse chuva, o homem brincava com aquela lei de causalidade, até então inconsciente, da mesma forma que faz o cientista, conscientemente, ao estabelecer determinada meta e estipular a forma como exercerá seu controle sobre a natureza para atingir seu objetivo. Deus responde a ambos, mas em diferentes estilos.

Química ou alquimista? Estão ambas aí, conforme você ouça a poesia ou a exatidão.