domingo, 2 de setembro de 2007

Imortal

Sêneca deve ter mandado sua paciência estóica pras cucuias a essas alturas. Faz tempo que eu estou dizendo que ia escrever a seu respeito e nada. Não bateu a inspiração ainda, mas uma hora qualquer vai sair.

Também disse que ia me manifestar sobre os últimos acontecimentos na Faculdade de Direito da USP. Algumas pessoas têm me cobrado um texto (principalmente o Pombo). A essas pessoas, peço calma. Estou levantando informações. Mas, como dizem, temos que escrever quando vem a inspiração, caso contrário ela passa sem ser aproveitada. Hoje é mais uma viagem no (ou sobre) o tempo.

Sexta-feira apresentei, junto com alguns colegas, um seminário sobre Hannah Arendt. Não gosto muito dela. Na verdade, todos esses pensadores que tentam imprimir um esquema muito lógico à História estão fantasiando. Mas é óbvio que algumas coisas que ela diz são interessantes ou, pelo menos, conseguem me remeter a outras coisas instigantes.

Para Arendt, assim como para Jaeger, a grande perturbação do primeiro pensamento grego foi a questão de superar a mortalidade humana através da memória, enquanto conservação e transmissão da futilidade das ações do homem, que tendem a evanescer. A natureza não precisa da memória, pois não distinguimos nela o individual. Só há o coletivo, que brota e se torna perpétuo com a reprodução. Tanto faz ver uma floresta hoje ou daqui cem anos: se a natureza segue seu rumo normal, será uma e mesma coisa, por sua característica de “Ser-para-sempre”. Tudo o que vem a ser, brota e existe é natureza para os gregos (essa é a acepção de Physis, cuja investigação levou aos filósofos Físicos, aqueles preocupados justamente com a cosmogonia e o princípio das coisas).

E a Eternidade... Bom, a Eternidade consiste exatamente naquilo que está fora do tempo. Nós percebemos o tempo por este estar atrelado à mudança e ao movimento. Toda ordem tende ao Caos, de modo que o fluxo que leva à desorganização (no caso das coisas perecíveis) e à conclusão de mais um ciclo (quanto às coisas imortais), quando medidas, acusam a passagem do tempo. Parmênides e Zenão perceberam de forma bastante acurada a dicotomia Tempo-Espaço, e como o caminho da opinião equivocada pode levar ao absurdo a esse respeito. Tudo que é subjacente a tal movimento é o Eterno. Aquilo que não surgiu nem vai acabar, justamente por estar fora do tempo (para este parágrafo, remeto ao post “Matando o Tempo”, infra).




Graças à relação entre movimento e passagem do tempo que se pode traçar um diagrama como esse proposto pela Hannah Arendt (aqui, toscamente desenhado), no qual a linha negra é a imortalidade, as linhas vermelhas são os mortais e, acrescento, o fundo azul claro imóvel é a Eternidade. Essa representação não é tão original como possa parecer. Afinal, o que é um relógio de ponteiro senão a tradução do tempo em movimento?

Voltando ao problema propriamente humano, devo confessar que a partir do momento em que comecei a tentar enxergar a questão da imortalidade sob o ponto de vista grego, fiquei mais tranqüilo. De fato, já que não se pode ter certeza sobre o além-túmulo a ponto de ter uma expectativa otimista (nesse ponto os gregos não chegam ao mesmo patamar do Budismo Theravada, que nega qualquer Metafísica... taí um ótimo tema para um post futuro...), mais sábio é fazer as coisas acontecerem por aqui mesmo. “Fazer sua a beleza”, como diria Aristóteles. Pois os grandes feitos, esses são evidentes por si e levam seu autor, de uma forma ou de outra, à imortalidade.

A imortalidade da memória.


Nota ao Rodapé: Livros a que faço referência: Entre o Passado e o Futuro (Hannah Arendt); Paidéia (Werner Jaeger).