- Certo... e o endereço da senhora é lá mesmo, na rua Telórico de Almeida...?
- Telorico – retrucou a moça.
“De onde diabos eu tirei ‘Telórico’?”, pensou L., enquanto seguia atendendo a cliente da unidade em que estagiava fazia pouco tempo. Como era muito perfeccionista, tentava cuidar de tudo milimetricamente, como se não soubesse que sua condição de novato lhe permitia o capricho de uma ou outra falha mínima. E prosseguia em seus pensamentos, enquanto preenchia a ficha do caso daquela moça que, embora tratasse por senhora em razão do distanciamento que o trabalho obriga, era pouco mais que uma recém-adulta que engravidara do namorado e agora se via entregue ao deus-dará porque o cara não comparece com qualquer ajuda para a criança, seja por safadeza, pobreza, incerteza, ou qualquer outra mazela que não necessariamente seguirá a rima.
“Por que diabos eu li ‘Telórico’? Por que esqueci a regra mais descomplicada da língua portuguesa, a saber: ‘toda proparoxítona é acentuada’? Se não tinha acento, eu deveria ter lido ‘Telorico’ mesmo, não ‘Telórico’... será que eu associei a ‘calórico’, ‘histórico’ ou qualquer palavra do tipo? Falando em ‘histórico’, antes houvesse associado a Alarico, Odorico ou qualquer outro desses nomes de reis bárbaros – lista na qual possivelmente consta algum Telorico – e não teria pronunciado errado”.
Pode parecer muito barulho por nada. Em verdade, não foi. Tal devaneio só tomou alguns segundos da atenção de L., que logo tornou seus olhos para a tela, dando prosseguimento ao atendimento.
- Ah, sim, Telorico, perfeitamente...
Mais tarde, naquele mesmo dia, a chefe de L. iria conferir a petição elaborada por ele. Ela também se deteria, com algum estranhamento, diante daquele nome incomum. No entanto, de sua boca sairia a pronúncia correta.
Quem terá sido Telorico? Que terá ele feito de tão grandioso para, em sua empáfia de xará de rei ostrogodo, dar nome a uma viela de comunidade de periferia sobre a qual certamente não exerceu o menor impacto, seja na vida ou na morte? Quem foi esse homem, merecedor de ter seu nome imortalizado na memória, ainda que dos relativamente poucos moradores daquela rua, a ponto de o seu nome ser o único digno de menção?
L. não ia mais pensar a respeito.