domingo, 2 de março de 2008

Com o ouvido no rádio

Hoje eu gostaria de fazer algo diferente: comentar notícias. Nada grandioso como a independência do Kosovo (cuja pronúncia correta descobri ser "Kosôvo"...falta saber se o s tem som de z ou ç) ou o estardalhaço do Chávez posicionando tanques na fronteira com a Colômbia...nem a "renúncia" de Fidel e do Putin, nada disso (nossa, tem muita coisa acontecendo mesmo...).

Certa vez eu estava ouvindo a CBN e o repórter comentava sobre a quantidade absurda de citações erradas que os parlamentares têm feito em seus discursos em Brasília. Eu já havia lido algo a respeito numa dessas Vejas que infestam as salas de espera desse mundão nosso ("velho, esse cara deve ter esperado um bocado" é o que você deve estar pensando... ah, a propósito dessa revista pavorosa, vai vendo: http://www.projetobr.com.br/web/blog/5#6304 ) e é realmente intrigante a capacidade dos caras de desencavar pérolas de Os Sertões ou transformar linhas do Bobbio em frases de efeito para se safar nas votações pela cassação, entre tantas outras papagaiadas. Capacidade intrigante, mas não tão estranha - pelo menos a mim -, já que o que mais há no mundo jurídico é o festival das citações.

De qualquer modo, creio que seria de bom tom que todos nós - políticos, juristas, jornalistas, escritores, estudantes e toda sorte de (des)ocupados - tenhamos o mínimo de responsabilidade antes de sair por aí citando autores quando muitas vezes eles: a) não disseram a frase que atribuímos a eles; b) se disseram, não foi exatamente daquele jeito; ou c) se foram eles que disseram, e daquela exata maneira, provavelmente o contexto é que não tem nada a ver.

Se nós tivéssemos esse cuidado, impediriamos que tantos caras do naipe de Shakespeare ("Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa [??] filosofia"), Nietzsche (frases como "O Evangelho morreu na cruz" ou "O que não me mata me fortalece" seeempre perfeitamente contextualizadas) ou Fernando Pessoa ("Navegar é preciso, viver não é preciso") e Cnaeus Pompeius Magnus (que foi quem realmente disse o célebre "navigare necesse, vivere non necesse" atribuído a Pessoa, muito embora tenha morrido uns bons mil e novecentos anos antes do escritor português nascer) façam par com aquele indivíduo desconhecido citado ironicamente por Nelson Rodrigues em O óbvio ululante: "Tudo é memória, disse não sei quem".

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Outra da CBN: Comentário do Dimenstein. Para quem não sabe, ele fala na rádio sobre capital humano, educação e coisas afins. Acho muito bacana, embora dessa vez eu deva ressalvar o que, na minha opinião, é uma avaliação simplista. Ele contava sobre um projeto de lei aqui em São Paulo que institui uma premiação para professores e funcionários de escolas cujos alunos apresentassem bons índices (um plus no salário no fim do ano, se não me engano). O legal dessa iniciativa, segundo ele - e aqui eu concordo - é que todos os responsáveis pelo colégio receberiam essa gratificação (desde o faxineiro até o diretor). Sim, é louvável. Só que daí o comentarista fecha com algo do tipo "assim, aqueles que se esforçam mais são recompensados e os que não se esforçam tanto deixam de ganhar um pouco mais" (faz um tempo que eu ouvi isso, espero não cometer o pecado da citação que eu criticava há pouco).

Francamente. Creio que não foi essa a idéia que ele realmente quis passar, mas isso está mais para papo de economia do que de política educacional. "Ah, você vê o esforço dos docentes e funcionários e compara com os resultados dos alunos ceteris paribus e zaz". Quero dizer, eu penso que não adianta falar em desmotivação por parte daqueles que trabalham nas escolas paulistanas se de repente as contingências do meio não colaboram para que haja um aprendizado saudável ou mesmo condições de trabalho adequadas...miséria, descaso, criminalidade. Sem comentários.


Nota ao rodapé:

1- Confesso que eu mesmo só fui confirmar que a frase não era de Fernando Pessoa nas aulas de latim na faculdade. Aliás, citando (er...) certo franciscano jocoso: Ave Darci, morituri te salutant! Bons tempos de calouro.
2- "Mas que m... é essa de ceteris paribus?" pergunta você. É isso aqui, respondo eu: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ceteris_paribus ... vinda diretamente das aulas de econometria com o livro do Mankiw, mas essa já não é uma das minhas melhores lembranças de calouro.

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