quinta-feira, 7 de junho de 2007

Matando o tempo




Estava faltando inspiração nos últimos dias. A combinação da rotina pouco emocionante dos últimos meses com a pressão das obrigações (que sempre vêm todas ao mesmo tempo) é sempre explosiva, resultando num hiato criativo...ou uma pasmaceira intelectual...ou uma calmaria no mar das idéias...(talvez a quantidade de denominações seja a minha criatividade voltando, vamos ver).

O fato é que eu não estava tendo tempo pra fazer nada além do que exigiam minhas obrigações (acadêmicas, em sua maior parte). Vontade enorme de alargar o tempo para que tudo que eu tinha de fazer coubesse na semana. O feriado veio em boa hora...pra conseguir pôr tudo em dia! Por outro lado, estou ansioso por conta de assuntos pessoais e profissionais que quero ver logo definidos. E esse tipo de coisa deixa a gente com vontade de fazer o tempo passar rapidamente. Contraditório. Da escuridão fez-se a luz, afinal. Se o tempo é meu algoz, sobre ele escreverei. A inspiração veio enquanto assistia a uma aula, pra variar. Ouvia, mais por osmose do que por uma vontade consciente de compreensão, o professor falar sobre o preceito aristotélico de que não há criação ex nihil. Explico: os gregos não admitiam a possibilidade de se extrair algo a partir do nada. Se antes não havia nada, eles pensavam, como daí pode surgir alguma coisa?

Essa idéia, creio eu, remonta a Hesíodo, que, como eu disse num post por aí lançou a idéia de causalidade entre os gregos, ou seja, a noção de que cada fenômeno tem sua origem em outro anterior. Tudo isso, em resumo, porque ele escreveu um poema falando sobre as várias gerações dos deuses e a formação do mundo a partir do Caos. Algum tempo mais tarde, os seguidores de certo Parmênides de Eléia (foto ao lado) demonstraram que a mudança e o movimento não podem ser explicados logicamente. Conseqüentemente, não se poderia sustentar uma tese com base em algo que se engendra a partir do zero (a história toda é um pouco mais complicada, tive que pular umas etapas do pensamento pra falar dele, mas outro dia eu volto a falar a respeito com mais calma).

Se as coisas sempre provêm de outras coisas, como fica em relação à primeira de todas as coisas, o princípio a partir do qual todo o resto surgiu? De onde ele veio? Surgiu do nada? Claro que não. Conseqüência? Só existe a eternidade. A percepção da dinâmica do universo deve ser cíclica, não linear, como costuma ser: não há um início ou um fim, apenas o eterno movimento (alguém dirá que, aqui, eu estou misturando Parmênides com Heráclito – a quem ele se opunha filosoficamente – mas, como também pretendo falar um dia, eles são muito mais harmônicos entre si do que parece).

Mas há o outro lado também. Aquele das religiões monoteístas; a visão segundo a qual o universo foi criado do nada. O defensor mais consciente dessa idéia, ao que me parece, é um pensador judeu medieval chamado Moshé ben Maymon – ou Maimônides, o Rambam. Sua interpretação da Torá, conhecida como Guia dos Perplexos, dialoga com Santo Agostinho e é possível de se harmonizar com os postulados da ciência moderna. Vamos ao argumento, antes que eu me empolgue e esqueça o assunto: À crítica de que um universo inteiro ser criado do zero é uma proposição ilógica, vez que o que compõe esse mundão de Deus deve ter tido origem em algo que havia antes; o Rambam responde, muito inteligentemente, que o universo não foi criado num momento determinado no tempo pelo simples motivo de que o próprio tempo surgiu com a criação. Genial. Antes não havia processo. Não havia causalidade, afinal não havia fenômenos para originarem outros fenômenos. O tempo nada mais é do que a consequência natural de as coisas estarem regidas pela lei da causalidade, obedecendo a uma ordem de sucessão. Em sentido psicológico, é a forma como percebemos esse fluxo dos acontecimentos naturais. Antes da criação (se é que se pode falar de algum momento antes da criação, nesse raciocínio), só se pode falar em tempo como algo imaginário, psicológico. Não havia espaço também – ao se formar o universo, o espaço surge a partir do referencial entre suas partes, ao mesmo tempo em que o tamanho total do universo permanece o mesmo: nenhum, já que fora do universo não há referencial para definir seu espaço.
Parecendo Parmênides de novo? É, eu sei. Tive até uma iluminação agora escrevendo isso (daquelas iluminações que só Parmênides proporciona): se o universo não tem tamanho, não se expandiu! O tal ponto ínfimo onde se concentrava toda a energia e matéria logo “antes” do Big Bang teria se diferenciado dentro dele mesmo, e esse espaço sideral enorme que a gente vê aí, mensurável apenas em anos-luz, fica fácil de entender quando se leva em conta os argumentos contra o movimento elaborados por Zenão, discípulo de Parmênides (você se lembra dos tais argumentos? A historinha de Aquiles e a tartaruga... Refresque sua memória na nota de rodapé no fim do texto), que postulam, entre outras coisas, a possibilidade de se dividir o espaço em infinitas partes. Em suma: incrível como no fim tantos argumentos a favor de visões distintas se tocam e se complementam.

Voltando ao Maimônides. Eu disse antes que suas idéias não contradizem o atual estágio do desenvolvimento científico. Pensamento assim sólido não poderá, obviamente, ser derrubado facilmente. Quer ver? Então veja:

1- Antes do Big Bang, a matéria do universo estava concentrada no ponto único, dito singularidade, cujo volume era zero (tive um déjà vu...nada a ver dizer isso, mas achei interessante). Quebrei o raciocínio. VOLTANDO: Se o volume era zero, a densidade era infinita (d= m/v), logo é perfeitamente compreensível a singularidade dar origem a tudo que está aí (eu, você, Júpiter, computador, cachorro, vácuo, Antares, China – com todo mundo que está lá dentro, inclusive – , cometa Halley, papagaio e por aí vai...).

2- Minha avó já dizia (e Einstein também): em tal condição limite, a variável tempo deve ser tratada como um número imaginário.

Vou parar por aqui. Estou começando a me achar engraçado, e daí a falar bobagem não carece muito tempo. Não cheguei a nenhuma conclusão, como de costume. Mero experimentalismo. Nada mais que livre associação. Mas estou feliz: foi bom pra passar o tempo.

Notas ao rodapé:
1- O argumento de Aquiles e a Tartaruga: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/cantor/aquilestartaruga.htm .
2- http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx? Tópico da comunidade “Maimonides” no orkut. Boa parte da inspiração veio daí.
3- Sobre Parmênides: http://pt.wikipedia.org/wiki/Parmênides .
4- A passagem do tempo e a segunda lei da termodinâmica (?) MUITO INTERESSANTE: http://www.fisicabrasil.hpg.ig.com.br/tempo_entropia.html .
5- Imagens ex: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tempo ; http://www.educ.fc.ul.pt/ ; http://pt.wikipedia.org/wiki/Parmênides . Irônico saber que o Einstein mostrou a língua achando que os paparazzi da época deixariam de persegui-lo. Virou sua foto mais conhecida.
6- Não, eu ainda sou agnóstico.

6 comentários:

Nefelibata disse...

Hey, muito legal isso tudo XD

Foi gostoso ler o texto e as viagens são das mais interessantes, como você bem sabe deste meu gosto.

Uma vez me disseram que o mais genial de Einstein não foi nenhuma de suas teorias em si, mas sim a capacidade de conseguir pensar além do que nos é meramente dado. Em outras palavras; percebemos o mundo de uma forma newtoniana; o tempo sempre corre igual do infinito para o infinito, dentre outras coisas. Einstein teria conseguido, digamos, sair daquela Caverna do mundo da aparência, e ido além daquela soleira, até.

E o que mais me impressiona na Física é justamente a capacidade desses cientistas de superarem a própria limitação humana da imaginação... uma vez o Alaôr disse que nunca conseguimos "imaginar" (formar imagens) aquilo que nunca percebemos pelos sentidos. Mesmo coisas fantásticas como centauros são espécies de criações de coisas que existem. E esses caras conseguem ir além, apenas pelo intelecto, fazendo sabe-se-lá-o-quê para superar isso...

Acho que também caí num buraco negro agora, han? XD

Abração

Unknown disse...

FAla Léo,
Comecei a ler, e acho que não tava entendendo nada,
DHASUidhaisud,
Então parei no meio.
Mas em todo caso, passei só pra dar um alô mesmo.
Poderia mandar um scrap, ou email, mas foi só pra dizer que seu "Desanvergonhado Spam" deu certo,
Abraços.

Anônimo disse...

Sabe.....nada a comentar sobre o texto, até porque estou lendo-o Às 3 da manha de sabado, então não estou na minha hora de maior concentração intelectual. Mas ainda assim, gostaria de parabeniza-lo pelo blog....está realmente muito bom (considere isso um mega elogio, já que fui eu quem disse).

Leonardo Passinato disse...

hehaeuaheu....elogio do Panula é algo q tem q ficar pra história...talvez seja por causa do sono...hehehe...valeu a todos pela visita!

Nefelibata disse...

Hey, eu também vi o elogio, hein! Hohoho, amigo, já fiz até print screen, hahaha! No futuro, vendo isso...

Bianca Hayashi disse...

Moço, ainda não li seu texto... só passei pra deixar uma dica mesmo: a cada parágrafo, pule linhas! Um bloco muito grande de texto é horrível de ler na tela do computador...

beijinhos